A relação do homem com os animais, principalmente os cachorros, é intensa. O convívio em ambientes coletivos, ou de pouco espaço, é uma realidade para quem não quer abrir mão do carinho e da convivência com gatos, cachorros, pássaros e tantas outras espécies.
Mas esse compartilhamento de espaço nem sempre é harmonioso, pois nem todos nos grupos sociais concordam em dividir o espaço com animais - o que, muitas vezes, faz a questão ir parar na Justiça.
No dia 30 de maio, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) impediu o luxuoso Condomínio Porto Busca Vida Resort Residence, em Camaçari, a não aplicar nenhuma multa a um proprietário de cachorro da raça dobermann, ou adotar qualquer medida contra a permanência do animal na área coletiva condomínio. A relatora do processo, desembargadora Maria da Graça, deferiu uma liminar contra a aplicação de sanções por conta do animal, que pesa 38 quilos e já tem oito anos de vida, sendo considerado um cão idoso.
Caso o condomínio não cumpra a decisão, será aplicada uma multa diária de R$ 500. O proprietário do cachorro ajuizou a ação, com pedido de reparação por danos morais, para reconhecer seu direito de ficar com o cão. No pedido, disse que cumpre com suas obrigações condominiais, pagando as taxas e respeitando as regras de convivência.
Em novembro de 2016, ele foi notificado para retirar o animal da unidade habitacional, no prazo de 72 horas, sob pena de multa. Salientou que na convenção estão estipuladas algumas raças proibidas, e alegou abusividade da norma, por não haver qualquer fundamentação objetiva. Na decisão, a desembargadora pontuou que o animal “não causa incômodo ou perturbação e não atenta contra a higiene, barulho ou segurança aos demais condôminos”.
Em outro trecho, afirmou: “Não se extrai dessa cláusula restritiva do Regulamento Interno que o simples enquadramento do animal na categoria de grande porte já o torne automaticamente insuscetível de ser integrado à dinâmica social do condomínio”. Ponderou que, se houvesse riscos à segurança, era necessário por parte do condomínio apresentar provas. “Realmente, na linha do que comprovado neste recurso, não se constata do produzido nos autos um risco potencial ou concreto que torne insustentável a permanência do cão naquele local. Logo, é evidente que não estão demonstrados a ferocidade do animal e problemas de segurança. Soma-se a isso que restou comprovado que o cão da raça dobermann pesa 38kg, nascido em 02/08/2008, possuindo oito anos de idade, sendo considerado idoso.
Tal condição, aliada a nenhuma notícia de haver o mesmo produzido qualquer situação de risco durante a sua estadia no condomínio, desnatura, em princípio, qualquer tese de risco à segurança”, diz trecho do voto. “Diga-se mais, que a genérica interpretação de que alguma raça de cachorro, por ser de maior porte, possa trazer maior risco que outra, fere frontalmente à lógica formal. É certo que mesmo um diminuto Pinscher, cão de pequeno porte com temperamento agitado, bem pode provocar a queda de um idoso ou morder uma criança. Afastar um cão de criação de seu dono, após nove anos de convivência, com base unicamente em preconceito contra a raça dobermann, seria um gesto de extrema insensibilidade, senão de manifesta crueldade”. Maria da Graça ressalta que, caso haja provas, uma nova decisão no sentido de impedir a permanência do cachorro poderá ser proferida.
A advogada Stéphanie Nery, especialista em direito condominial, afirma que a convivência entre condôminos é regulamentada por um regimento interno, mas que o bom-senso deve prevalecer sempre, em todos os casos. Ao Bahia Notícias, ela diz que a permanência de animais em unidades habitacionais é motivo de polêmica, desconforto, e diz haver dois pontos a serem observados. “Existem pessoas que não gostam de animais e pessoas que gostam.
Atualmente, vivemos em uma sociedade com condôminos novos, casal jovem, por exemplo, que não tem filhos, mas tem um cachorro que tratam como se filho fosse. Para aqueles que não gostam de animal, qualquer latido se torna um problema. E tem aqueles que, por acharem que os cachorros são filhos, também, de forma exagerada, querem que esse cachorro participe de tudo e esteja presente em todos ambientes”. A advogada afirma que a convenção é criada pelos próprios proprietários dos imóveis. As regras podem ser modificadas com o tempo.
Nesta questão da permanência de animais, o direito da coletividade acaba se sobrepondo, em tese, ao direito individual. “O que se leva em consideração é o direito à propriedade desse indivíduo e, principalmente, se esse animal não gera um problema no condomínio, como para segurança. Se o animal não gera nenhum risco, ainda que haja uma norma proibindo, essa norma vai continuar valendo.
Mas no caso concreto, vai ser relativizada para que esse animal possa permanecer no imóvel”, pondera Stephanie, completando: “Se for uma gestante, com gravidez de risco, isso pode ser relativizado, pois ela não poderá segurar o animal, o tempo todo, para andar com ele em áreas comuns”. “O que a gente sempre orienta nas assembleias é que haja o bom senso. Você não vai permitir que o animal trafegue na área da piscina por conta de pelo, por risco de interferir na saúde dos demais condôminos. O que se tem que estabelecer são regras que possam permitir o bom convívio”, reflete.