Pois é, na verdade há uma tentativa de cobrir o sol com a peneira.... Agora está bem explicado e podemos usar em argumento contra a exploração de cavalos em corridas.
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Um estudo realizado recentemente por investigadores franceses da Universidade de Rennes revelou que o trabalho de ensino e alta-escola causava níveis de stress mais elevados nos cavalos em comparação com as disciplinas de saltos de obstáculos, concurso completo ou volteio.
É um facto bem conhecido que o stress no trabalho pode ter efeitos negativos nas pessoas, podendo estar associado a sintomas de ansiedade e depressão. Estes investigadores tentaram descobrir se o trabalho diário a que os cavalos são submetidos poderia resultar em efeitos semelhantes.
Os resultados do estudo (publicado no jornal de acesso livre PLoS ONE) indicaram que os cavalos, tal como as pessoas, eram confrontados com situações de stress durante as suas rotinas diárias, incluindo humanos conflituosos (treinadores, proprietários, tratadores ou jockeys), relações difíceis com outros cavalos, treinos inadequados com reforços negativos e/ou recompensas fracas.
Estas experiências negativas relacionadas com o treino podem levar a que os cavalos percam o interesse e se tornem apáticos e sem resposta – o que seria equivalente num equino à síndrome do burnout (1) nos humanos.
O estudo incluiu 76 cavalos da Escola Nacional de Equitação de Saumur, França, todos castrados, com idades entre os seis e quinze anos, alojados em box durante 23 horas por dia. A única diferença no maneio destes animais era a disciplina equestre que desempenhavam durante uma hora por dia.
Dos 76 animais, 10 eram utilizados em concurso completo de equitação (CCE), 19 faziam salto de obstáculos, 7 eram utilizados pela escola de equitação para alunos de grau avançado, 17 faziam Dressage (ensino), 16 faziam alta-escola e 7 eram utilizados em volteio.
Os cavalos foram continuamente monitorizados na box de modo a identificar comportamentos estereotipados, tais como birra de urso, abanar a cabeça, executar movimentos repetidos com a boca, morder madeira ou outra superfície e engolir ar.
Verificou-se que o tipo de trabalho (disciplina equestre) desempenhado pelos cavalos tinha uma influência significativa na prevalência e tipos de comportamentos exibidos.
Este foi o primeiro estudo que mostrou evidência dos potenciais efeitos dos agentes causadores de stress no desenvolvimento de comportamentos anormais numa espécie animal, questionando o impacto que o tipo de trabalho tem na qualidade de vida dos cavalos.
O estudo revelou que dos 76 cavalos observados, 65 mostraram algum tipo de comportamento estereotipado.
Os animais foram distribuídos em 3 grupos consoante o tipo de trabalho desempenhado:
1. Saltos, CCE, cavalos de lições
2. Ensino/Alta Escola
3. Volteio
Tal como os humanos, os cavalos são forçados a trabalhar diariamente, desenvolvendo interacções “interpessoais”, não só com outros cavalos (colegas) mas também com um patrão, que neste caso será o humano que o monta e é responsável pelo treino.
Nesta comparação, as sessões de trabalho são os treinos a que os cavalos são submetidos, em que muitas vezes se utiliza mais o reforço negativo (castigo) em detrimento do reforço positivo (recompensa).
Verificou-se que alguns constrangimentos físicos e emocionais dependiam do tipo de trabalho desempenhado. Alguns exercícios tinham consequências negativas, levando a resistências físicas e comportamentais, com conflitos e tensões durante o trabalho.
A transmissão de sinais conflituosos por parte do cavaleiro (por exemplo empurrar para diante com as pernas, mas puxando na boca com as mãos) pode causar frustração e neurose no cavalo.
Finalmente, durante o treino, espera-se a supressão de reacções emocionais que são perfeitamente fisiológicas para os cavalos, como por exemplo dar cangochas, uma vez que essa atitude é considerada indesejada durante o trabalho (competição de ensino) ou perigosa para o cavaleiro. Esta interdição pode ser um agente causador de stress para o cavalo.
Experiências negativas associadas ao treino podem levar a estados crónicos em que os cavalos simplesmente perdem o interesse no trabalho, tornando-se apáticos e sem resposta – estes estados também são descritos nos humanos com burnout.
Comportamentos anormais repetitivos (vícios) são considerados uma forma dos cavalos aceitarem um ambiente desfavorável e stressante.
Neste estudo, os cavalos de volteio foram os que apresentaram menos comportamentos estereotipados e em menor grau. Por outro lado, os cavalos de ensino apresentaram a maior incidência de estereotipias, e as mais severas, como engolir ar e abanar a cabeça, sendo que alguns animais apresentavam dois ou mais comportamentos estereotipados.
Os autores especularam que a razão pela qual a modalidade de ensino é a que aparenta causar maior stress possa ser precisamente o facto de se exigir que os cavalos não manifestem emoções ao mesmo tempo que colocam um grande constrangimento físico nos movimentos executados.
Além disso, os casos em que as ajudam podem ser mais conflituosas são mais comuns nesta modalidade, uma vez que os andamentos restritos são frequentemente obtidos contendo o andamento através das rédeas enquanto se procura manter a impulsão com as pernas.
Os cavalos de salto, CCE e de lições, estão mais habituados a executar passadas largas e a andar para diante numa postura menos ritualizada. Estes animais mostraram comportamento de lamber ou morder estruturas no meio-ambiente, considerados estados iniciais de comportamento estereotipado.
É difícil saber se estes casos se teriam agravado com o tempo, no entanto os autores consideraram isso pouco provável uma vez que estes cavalos foram estudados durante pelo menos um ano, sem ter ocorrido evolução ou agravamento do comportamento. Talvez os agentes causadores de stress nestes casos sejam as condições menos sociais de estabulação – separação em box individual.
Finalmente, os cavalos de volteio foram os que apresentaram menor predisposição para desenvolver estereotipias, e estas foram principalmente caracterizadas por “brincadeiras com a língua”. Os cavalos de volteio são geralmente seleccionados pelo seu temperamento calmo, e passam a maior parte do tempo às voltas em círculos e com comandos de voz.
Os conflitos interpessoais com os humanos são limitados uma vez que a estes cavalos geralmente se solicita que executem apenas exercícios regulares e lentos, enquanto os humanos executam movimentos no seu dorso, com interferência mínima. É possível que a natureza calma do temperamento destes animais os torne mais resistentes ao efeito dos agentes causadores de stress, tal como também se observa em humanos de temperamento calmo.
Neste artigo, os autores fazem referência a investigações mais antigas que sugerem que o síndrome de abanar a cabeça possa ser o resultado à posteriori de uma tensão demasiado forte no bridão, enquanto o cavaleiro tenta manter a cabeça do cavalo em baixo, podendo resultar em dano no nervo trigémeo (implicado no síndrome de abanar a cabeça). Esta teoria pode ser uma explicação para o facto de o abanar da cabeça ocorrer com mais frequência em cavalos de ensino, uma vez que estes animais passam a maior parte do tempo com o pescoço em flexão durante movimentos restritos.
Enquanto alguns agentes causadores de stress aqui descritos são específicos à equitação, outros são partilhados por outras espécies animais, incluindo os humanos; tal como a supressão de emoções, conflitos interpessoais, exigências físicas, ausência de recompensa e expectativas negativas sobre o futuro, frequentemente associadas a casos de depressão nos humanos.
Este estudo abriu novas portas e futuras linhas de pensamento sobre as causas dos comportamentos repetitivos anormais por um lado, e por outro sobre os efeitos dos agentes causadores de stress não só nas expressões bem conhecidas dos distúrbios psicológicos, como a depressão ou burnout, mas também na possível emergência de comportamentos anormais.
A locomoção restrita e controlada exigida nos cavalos de ensino, e principalmente alta-escola, associada a transições rápidas, pode explicar o aumento da reactividade, especialmente se a pressão do bridão e das esporas induzir estímulos adversos.
As elevadas respostas emocionais nos cavalos de Dressage observadas em testes emocionais suportam esta teoria. Os andamentos colocados podem ser fisicamente bastante exigentes e um cavaleiro nervoso pode transmitir stress adicional. Estas dificuldades podem contribuir para a frustração do cavalo.
Os autores do estudo notaram que outros factores também podem estar envolvidos no desenvolvimento de estereotipias, incluindo a disponibilidade de forragem, dieta, privação social, falta de exercício e predisposição genética. O tempo que o cavalo passa na box também pode ter influência.
No entanto, os resultados do estudo demonstraram que é a disciplina equestre que o cavalo pratica, o factor que influência mais o grau do desenvolvimento de comportamentos indesejáveis.
Também revelou que por várias razões (físicas e emocionais) o tempo limitado que o cavalo passa com os humanos pode afectar a qualidade de vida dos cavalos. Podem estar implicadas situações como o maneio, alimentação e transporte.
(1) Síndrome de Burnout é um distúrbio psíquico de carácter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, definido como “(…) um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”.