TERÇA, NOITE - Vou colocar as cachorras para dormir. É um ritual que muita gente acha engraçado, mas, que vai de acordo com minha filosofia que devemos festejar nossos bichos, nem que seja por um momento. Espalho tapetes, almofadas, completo ração, esfrego o focinho de cada um e termino com um biscoitinho de maisena. Desde que me conheço, faço isto com meus bichos. Reparei que Sofia tentava evacuar, sem conseguir. Eram 23:40hs. Ligo a um dos meus vet´s que manda dar azeite e incluo, por conta, um Activia. Deixei ela isolada de Zulu e Mimi que adoram puxar o tapete uma da outra durante a noite. Dormi na sala para ficar atenta.
QUARTA, MANHÃ - Aplico um supositório, após falar com meu outro vet. Aplico o segundo e nada. Ele aconselha uma ultrasonografia o mais rápido possível. Antes de 12:30h, a Veterinária da SUIPA, Dolores, diagnostica um enorme tumor, a princípio, suposto no intestino.
QUARTA, TARDE - De lá mesmo vou para outra Clínica fazer um RX. Tudo bem. Não há metástase no pulmão e coração normal. Pelo tel. é marcada a cirurgia.
QUINTA, MANHÃ - A cirurgia inicia às 09:40hs. Enquanto espero, distraio passando numeros de tels. para agenda. Não queria lembrar dos olhos doces de Sofia emoldurados por longos cílios dourados. Ia dar tudo certo... Duas horas depois, o vet cirurgião fala: Tenho uma péssima notícia p´ra vc.... Ela morreu? pergunto aflita. Não, foi tudo bem. Respiro aliviada. É que foi uma cirurgia grave, era um tumor na cavidade, não tinha ligação com nenhum órgão, mas, tive que tirar um rim e não consegui tirar os pedaços do tumor que estava colado por baixo da coluna.... Olho o maldito tumor enorme que parecia um polvo e seus tentáculos. Pego a receita com medicamento pós-operatório e chego em casa às 12:30hs.
QUINTA, TARDE - Deitada no tapete, atenção fixa em Sofia que ainda sofre os efeitos da anestesia. Ela me acompanha, entre fechadas de olho num tipo de sonequinha. Olhos doces de Sofia, nunca vistos em outra cachorra na minha vida. Às15:20, suspira um pouco mais profundo e... morre...
SEXTA, MANHÃ - Nada mais importa contar aqui... um turbilhão de pensamentos... um sem numero de ações... mas, nada, nada mais importa... Sofia, que nas mãos de protetoras lá no Instituto de Medicina Veterinária, onde tínhamos a nossa sede, me fez parar e olhar para seus olhos doces e profundos, há 11 anos atrás. Enquanto me contavam que fora abandonada amarrada num poste dentro das dependências do órgão, eu olhava os doces olhos de Sofia. Já abraçada com ela, ouço uma das protetoras falar.... Esta cachorra tirou a sorte grande!
A sorte foi minha em conhecer Sofia que sempre que me via, uivava como um lobo reverenciando seu líder. Ela nunca me desafiava.... sempre de cabeça baixa, deixava que fizesse a higiene dela, mesmo contrariada. Ela sorria sem mostrar os dentes... fechava quase totalmente as pálpebras e suas bochechas arqueavam para os cantos laterais da boca completando o balançar de seu rabo quando eu chegava no recinto. Tinha um defeito: urgh! para os gatos... Tenho certeza que, entre ela, Zulu e Mimi, foi quem matou uma filhotona abusada que foi lá conhecer os domínios de sua matilha. Ela convivia bem com Doralice, a gata que se achava cachorra porque odiava todos da sua espécie. A gata adorava se esfregar nas cachorras e Sofia dormia junto dela, mas, era a única exceção....
UM BURACO dentro de mim se fez em tão pouco tempo. Sem rumo, estou aqui. Culpada por não sentir o tesão de sempre. Mas, vou me esforçar. A vida? inexoravelmente segue adiante. E tenho que aproveitar o exercício da dor de viver sem os olhos doces de Sofia para me preparar para a partida de Rebeca, minha alma gêmea, independente de sermos espécies diferentes. Conheçam Sofia e sua característica de dormir com a pata na cabeça... Ah, os doces olhos de Sofia!!!!!